(Essa postagem faz parte das aulas com a futura professora Priscila )
A REVOLUÇÃO MODERNISTA E A SEMANA DA ARTE MODERNA
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
(...)
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
(Manuel Bandeira)
O trecho acima, do poema Poética, de Manuel Bandeira, mostra a essência do movimento modernista, que foi o espírito de irreverência, rebeldia e o rompimento com os padrões artísticos dominantes. É o espírito destruidor, iconoclasta, que se volta principalmente contra o “lirismo comedido e bem comportado” dos parnasianos.
VANGUARDAS EUROPEIAS
A primeira guerra mundial pôs fim à euforia da belle époque e marcou o verdadeiro início do século XX, abrindo espaço para os movimentos de protesto, ideológicos e artísticos, que já se vinham manifestando há duas décadas. Esse espírito de contestação deu origem a diversos movimentos chamados de vanguardas.
FUTURISMO
Em 1909, Filippo Tommasio Marinetti publicou no jornal Le Fígaro, de Paris, o Manifesto do Futurismo.
"Queremos luz, ar, ventiladores, aeroplanos, reivindicações obreiras, idealismos, motores, chaminé de fábricas, sangue, velocidade, sonho, na nossa arte."
- Versão dinâmica da realidade;
- Verso livre
- 'Imaginação sem fios' - palavra em liberdade;
- Valorização da máquina, da velocidade, dos símbolos;
- Destruição da sintaxe;
- Abolição dos adjetivos, advérbios, pontuação, conjunções.
CUBISMO
O Cubismo surgiu em 1907, lançado por Pablo Picasso com a tela Les Demoiselles d’Avignon.
- Características: estilo deformante; bidimensionalismo; interpenetração de plano; fuga do discurso; abandono da métrica e da pontuação; textos em forma de fragmentos instantâneos.
Bangalô
Bicos elásticos sob o jérsei
Um maxixe escorrega dos dedos morenos de Gilberta
Janelas
Sotas e ases desertam o céu das estrelas de rodagem
O piano fox-trota domingaliza
Um galo canta no território do terreiro
A campainha telefona
Cretones
O cinema dos negócios
Planos de comprar um forde
O piano fox-trota
Janela
Bondes.
(Oswald de Andrade)
O humor, irônico ou otimista, derivado da visão instantânea do mundo, ocupou espaço na poesia cubista que influenciou alguns participantes da Semana da Arte Moderna.
Moça linda bem tratada.
Três séculos de família.
Burra como uma porta
Um amor
(Mário de Andrade)
DADAÍSMO
- Apologia ao absurdo e ao incoerente;
- Propõe a destruição do ambiente;
- Ausência do equilíbrio, irreverência;
- Linguagem improvisada; Explora o uso de neologismo;
- Aproximação com o mundo dos loucos.
Em 1916, foi fundado o Cabaret Voltarie, por Hugo Ball, e logo tornou-se local de reuniões de intelectuais e foragidos da guerra. Neste cabaret, Tristan Tzara, o próprio Hugo Ball, Hans Harp, Marcel Janco e Huelsembeck lançaram o Dadaísmo, tendo como intenção buscar uma liberdade de se exprimir, de agir; pregando e destruição do passado, o passado cultural e sócio-político da humanidade, assim como dos valores presentes, e não vendo qualquer esperança ao futuro. Francis Picabia, Amorous Parade. Tristan Tzara ensina uma "técnica" de como se escrever um poema dadaísta:
Pegue um jornal.
Pegue a tesoura.
Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar a seu poema.
Recorte o artigo.
Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam esse artigo e
meta-se num saco.
Agite suavemente.
Tire em seguida cada pedaço um após o outro.
Copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco.
O poema se parecerá com você.
E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda
que incompreendido do público.
SURREALISMO
O líder do movimento surrealista André Breton, em 1924, estabeleceu alguns princípios:
-automatismo psíquico: expressar de qualquer forma o funcionamento real do pensamento.
- ditado do pensamento: de qualquer forma, independente de qualquer preocupação estética e moral.
-Escrita: sem tema preconcebido, bastante rápido para não esquecer ou não sentir o desejo de reler o que fica escrito.
-A frase virá por si: a cada segundo há uma frase, estranha ao nosso pensamento consciente, pedindo para ser exteriorizada.
Vejamos um poema de Murilo Mendes:
Panorama
Uma forma alada sacode as asas no espaço
E me infiltra a preguiça, o amor ao sonho.
Num recanto da Terra uma mulher loura enforca-se e
vem no jornal.
Uma menina de peito largo e ancas finas sai do fundo do mar
Sai daquele navio que afundou e vira uma sereia...
ANTECEDENTES DA SEMANA DE ARTE MODERNA
As ideias revolucionárias surgiram bem cedo no Brasil. Desta vez não ficamos a reboque das novidades, mas também produzimos nossas novidades. Provas disso são as ocorrências que desde o início do século vieram preparando a oficialização do Modernismo entre nós.
- Em 1911, Oswald de Andrade fundou um semanário humorístico e irreverente chamado “O PIRRALHO”. Neste e em outros veículos da imprensa começaram a surgir notícias sobre a agitação artística européia.
- Em 1915, a Revista Orpheu, com a colaboração do brasileiro Ronald de Carvalho, lançou o Modernismo em Portugal.
- 1917 pode ser considerado o ano em que foi dada a partida para a instauração do Modernismo no Brasil.
1) Mário de Andrade publicou o livro “Há uma gota de sangue em cada poema”, em que a poesia passa a se preocupar com a realidade do mundo em guerra.
2) Menotti Del Picchia publicou um longo poema, sem estrofes nem rimas, intitulado “Juca Mulato”, no qual a natureza dialoga com o sertanejo que pretende abandoná-la.
3) Manuel Bandeira lançou “Cinzas das horas”, em que mistura poemas parnasianos e simbolistas com outros já modernistas.
4) Anita Malfati faz uma exposição “escandalosa” de pinturas, que é severamente criticada por Monteiro Lobato no famoso artigo “Paranóia ou mistificação?” Este artigo provocou uma reação de apoio a Anita por parte de muitos artistas. Esses fatos ficaram conhecidos como o estopim do Modernismo.
5) em 1918, Manuel Bandeira, no livro “Carnaval”, publicou um poema satírico antiparnasiano que se tornou o hino da revolução modernista.
A Semana da arte Moderna:
A Semana realizou-se de 11 a 18 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, como parte das comemorações do Centenário da Independência.
Ficaram expostas à visitação pública todas as criações artísticas que de um modo ou outro refletiam as tendências inovadoras, as quais vinham manifestando-se desde os primeiros anos do século XX.
A Semana da Arte Moderna se encerrou deixando a certeza de ter sido uma grande farra para os artistas. Do ponto de vista popular, a Semana foi um fracasso: o público não entendeu e não aceitou as propostas renovadoras apresentadas no Teatro Municipal.
Resumo dos princípios fundamentais do Modernismo:
- Ruptura com as velhas formas acadêmicas e parnasianas, necessidade de chocar o público;
- Utilização da poesia (espontânea e criativa) como principal veículo de expressão
-Liberdade de pesquisa, de criação e de expressão: nada é obrigatório, nada é proibido na arte.
- Cada autor é, praticamente, uma escola: ele respeita apenas sua inspiração e se sente livre para usar a escrita automática (Surrealismo), os versos livres, a poesia do subconsciente.
- São conseqüências dessa liberdade o EXPERIMENTALISMO, a IRREVERÊNCIA, o humor, a alegria de criar, a valorização das coisas do dia-a-dia, a presença da tecnologia moderna.
-Linguagem coloquial, aceitação de erros gramaticais, oralidade: escrever o mais parecido possível com a linguagem falada.
- BRASILIDADE: a busca de uma arte genuinamente brasileira.
O MODERNISMO (1922 – 1930)
Esta época foi marcada por obras como Macunaíma, Cobra Norato, Pauliceia Desvairada, Memórias sentimentais de João Miramar, Manifesto Antropofágico, Libertinagem e outras.
A maior preocupação dos autores foi a forma revolucionária que eles deram a essas obras.
Uma grande diversidade de tendências, incentivadas pela total liberdade na arte, ensejou o surgimento de numerosos e variados manifestos, revistas e correntes modernistas.
PRINCIPAIS REVISTAS DA ÉPOCA:
Klaxon, A Revista, A Revista Verde, Festa, Joaquim.
PRINCIPAIS MANIFESTOS E CORRENTES DO MODERNISMO (1922 – 1930)
- Manifesto da Poesia Pau-Brasil: lançado em 1924 por Oswald de Andrade. Defendeu o primitivismo anárquico, que pregava o retorno às raízes primitivas da nacionalidade.
- Em 1928, Oswald reafirmou e ampliou a idéia do primitivismo, lançando o Manifesto Antropofágico, em que se realça a “Brasilidade”: “Tupi or not Tupi, that is the question.”
- A “Revista de Antropofagia” foi dirigida por Antônio de Alcântara Machado e Raul Bopp e teve a colaboração de grande parte dos autores da época.
-O manifesto Verde-Amarelo ou do Grupo da Revista Anta, representado por Menotti Del Picchia, Plínio Salgado e Cassiano Ricardo, foi reunido na Obra coletiva “O curupira” e “O Carão”.
O Verde-Amarelismo defendeu um nacionalismo radical, xenófobo, de extrema-direita, em oposição ao esquerdismo de Oswald e de seu grupo.
Recusa de todo o contágio europeu e a defesa de valores nacionalistas puros, como a terra, o sangue, raça, herois nacionais.
PÓS-MODERNISMO (1930-1945)
Romances regionalistas: O Quinze; Menino de Engenho; Fogo Morto; São Bernardo; Vidas Secas; São Jorge dos Ilhéus; Gabriela, cravo e canela; O tempo e o vento; Poesias do Carlos Drummond de Andrade.
O Modernismo, entretanto, continuou alimentando as mesmas indefinições do princípio: viveu oscilando entre a modernidade e a tradição; entre o realismo cru e a espiritualidade herdada pelo romantismo; entre a direita conservadora e a esquerda revolucionária.
NEOMODERNISMO (1945 - )
De 1945 até nossos dias, assistiremos uma avalanche de propostas das mais diferentes e contraditórias tendências.
POESIA: a geração de 45 quer voltar à poesia técnica e de temas universais; as vanguardas querem fazer uma poesia ainda mais revolucionária que as de 22 (Concretismo, poesia-práxis, poema-processo); dezenas de outros poetas (Ferreira Gullar, Chico Buarque, Tiago de Melo, Paulo Mendes Campos, Stella Leonardos, Hilda Hilst, Carlos Nejar etc) fazem poesia de protesto, poesia de cunho político e social e também poesia marginal, escrachada e escandalosa.
PROSA: Clarice Lispector, João Guimarães Rosa, Antonio Callado, Dinah Silveira de Queirós, Nélida Piñon, Dalton Trevisan e muitos outros irão, uns, vasculhar a alma e a mente humana; outros penetrarão no interior do Brasil e da alma do povo brasileiro; ainda outros irão escancarar a realidade cruel e desumana das cidades. A violência, a miséria, a luta pela sobrevivência, as distorções da justiça e tudo o que se refere à vida das modernas cidades ou nos campos é tema para literatura de nossos tempos.
PROSA DO NEOMODERNISMO – CLARICE LISPECTOR (1925-1977)
Nascida em Tchetchelnik, na Ucrânia, Clarice Lispector veio para o Brasil com apenas três anos de idade. Cresceu e estudou no Recife. Casou-se com um diplomata e viveu fora do país durante doze anos. Faleceu no Rio de Janeiro.
Obras:
Clarice publicou seu primeiro livro, Perto do Coração Selvagem, com 19 anos de idade, e causou muita agitação nos meio literários. Escreveu ainda: O Lustre, A Cidade Sitiada, A Maça no Escuro, A Paixão Segundo G.H., Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres, Água Viva, A Hora da Estrela, Laços de Família (contos), A Legião Estrangeira (contos), Felicidade Clandestina (contos).
A obra de Clarice Lispector continua, confirma, renova e defina a linha da ficção introspectiva que se manifestara na década de trinta com Otávio de Faria, Cornélio Pena, Ciro dos Anjos, Dionélio Machado e outros.
Estilo – Visão de Mundo – Princípios Existenciais
- Coloca em discussão seus próprios problemas e questionamentos como ser humano e como mulher, identificando-se com as personagens;
- sua ficção é intimista, introspectiva, através da qual ela mergulha nas profundezas de seu ser em busca de respostas para esses questionamentos;
- os textos de Clarice se apresentarão complexos e abstratos porque ela dá vazão às suas proposições e dúvidas através de um recurso chamado FLUXO DE CONSCIÊNCIA, que consiste numa associação livre de ideias, sem nexo nem lógica aparente;
- sua linguagem se aproxima daquela utilizada por alguém que, numa sessão de análise, fala aos borbotões, diz o que lhe vem à mente naquele momento;
- a personagem, para traduzir seus estados emocionais, utilizará todos os recursos possíveis:
1) metáforas incomuns e questionamentos filosóficos ou metafísicos;
2) monólogos interiores e discurso narrativo que buscam a criação de uma supra-realidade pessoal e poética (prosa poética e intimista, influência de James Joyce e Virgínia Woolf);
3) Busca constante de libertação e de mudanças na maneira de viver por parte das personagens, que, no fundo, são a própria Clarice;
4)Consciência da própria solidão, ao perceber que “o inferno são os outros” como disse Sartre, popularizando o existencialismo de Heideggerm, Kierkgaard e Jaspers;
5) Descoberta e revelação de si mesmo, busca do significado da vida, escolha dos próprios caminhos, convivência com a náusea e a angústia das próprias limitações, adaptação ao mundo e busca de um lugar para si.